Histórico da Legalização para Usos Rituais

Apesar do uso da Ayahuasca no Brasil remontar a 1930, somente nos anos oitenta a Ayahuasca começou a ser oficialmente citada junto à legislação brasileira.

Paralelamente ao crescimento dos grupos e à expansão do uso religioso e terapêutico da Ayahuasca, uma forte resistência dos setores conservadores da sociedade brasileira se formou, pressionando o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) para embargar o funcionamento das instituições ayahuasqueiras nos grandes centros metropolitanos.

Em 1985, o governo brasileiro acrescentou a Ayahuasca à sua lista de substâncias controladas (lista da DIMED – Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos). Como resposta a União do Vegetal junto a outros grupos, solicitou a revisão deste parecer ao CONFEN (Conselho Federal de Entorpecentes do Ministério da Justiça).

Em 1986, o CONFEN organizou uma comissão interdisciplinar de pesquisa composto por juristas, psiquiatras, psicólogos, sociólogos e antropólogos, que visitaram algumas igrejas usuárias do chá Ayahuasca, e analisaram o contexto ritualístico de seu uso.
Tal comissão não encontrou evidências de problemas sociais relativos ao uso da Ayahuasca em contextos religiosos. Observe-se que esse parecer sedimentou-se basicamente em observação empírica da população que usava a Ayahuasca.

O parecer do Grupo de trabalho, submetido à plenária em 31 de janeiro de 1986 (Anexo B) foi aprovado por unanimidade e confirmava a autorização para o uso religioso da Ayahuasca. Tal aprovação resultou na Resolução Número 6, de 04 de Fevereiro de 1986, publicada no Diário Oficial da União, de 05 do mesmo mês.

Novos problemas surgiram quando denúncias anônimas sugeriram que tais rituais estavam infestados de ex-guerrilheiros, usuários de Cannabis sativa , mesmo durante os rituais.

Em abril de 1989 a União do Vegetal sugeriu à Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, a instalação de um novo grupo de estudos. Uma nova equipe de pesquisas é formada por representantes do governo, membros do DEMEC (Departamento médico e científico da UDV) e de outras instituições (Projeto Hoasca ). Baseando-se no resultado desses estudos, que apontaram a inocuidade do uso da ayahuasca em contexto religioso, no dia dois de junho de 1992 o CONFEN decidiu liberar definitivamente a utilização do chá para fins religiosos em todo o território nacional, através de um parecer (Anexo C) resultante da 5ª REUNIÃO ORDINÁRIA (Realizada em 2 de Junho de 1992 e publicada no Diário Oficial, Seção 1, N.º: 11467, em 24 de AGO 1992) que determina:

“... a Ayahuasca, cujos principais nomes brasileiros são Santo Daime e Vegetal, e as espécies vegetais que a integram o Banisteriopsis Caapi, vulgarmente chamado de cipó , jagube ou mariri e a Psychotria Viridis, conhecida como folha, rainha ou chacrona, devem permanecer excluídos das listas da DIMED ou do órgão que tenha responsabilidade de cumprir o que determina o art.36 da Lei n.º 6.368, de 21.10.1976, atendida, assim, a análise multidisciplinar constante do Relatório Final, de setembro de 1987 e do presente parecer; b – poderá ser objeto de reexame o uso legitimo da Ayahuasca, aqui reconhecido, bem como aliás de qualquer outra substância com atuação no Sistema Nervoso Central, desde que com base em fatos novos, cujos aspectos substantivos ou essenciais não tenham sido, ainda, apreciados pelo CONFEN”.

Segundo o então presidente do CONFEN, Sr. Ester Kosovsky, "a investigação desenvolvida desde 1985, baseou-se numa abordagem interdisciplinar, levando em conta os lados antropológicos, sociológicos, culturais e psicológicos, além de análises fitoquímicas". O relator do processo de investigação, Sr. Domingos Carneiro de Sá, explicou que o fato fundamental para a liberação da bebida foi o comportamento dos ayahuasqueiros  e a seriedade dos centros que utilizam o chá em seus rituais:
"Não foram observadas atitudes anti-sociais dos participantes dos cultos, ao contrário, podemos constatar os efeitos integrados e reestruturantes do Daime (Ayahuasca) com indivíduos que antes de participarem dos rituais apresentavam desajustes sociais ou psicológicos".

Essas duas deliberações do CONFEN (resolução N.º 06 – 04/02/1986; e parecer 5º Reunião Ordinária – 02/07/1992 tornaram-se a base legal para a utilização ritualística da Ayahuasca no Brasil. As entidades religiosas que utilizam a bebida, sem prejuízo de suas identidades e convicções, comprometeram-se a adotar procedimentos éticos comuns em torno do uso do chá, firmando uma carta de princípios para o uso da Ayahuasca (Anexo D), que veio a coroar o processo de legalização da Ayahuasca no Brasil.

A carta de princípios para uso da Ayahuasca foi elaborada durante o I Congresso Internacional da Ayahuasca, ocorrido em novembro de 1992 em Rio Branco-AC, dentre outros pontos, decidiu-se: vetar a comercialização da bebida (que não era praticada pelos centros); sua mistura com outras substâncias; estabeleceram-se regras para a divulgação da Ayahuasca; ficou definido que a participação de menores de idade nos rituais só seria possível mediante a autorização dos pais e responsáveis; e que, sob nenhuma condição, seriam admitidos nos rituais, deficientes mentais, pessoas sob o efeito de álcool ou de outras substâncias psicotrópicas.

Em 17 de agosto de 2004 o CONAD aprovou o parecer da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico que reconhece a legitimidade, juridicamente, do uso religioso da ayahuasca e deliberou pela constituição de um GMT-Grupo Multidisciplinar de Trabalho para elaborar documento que “traduza a deontologia do uso da Ayahuasca”.

O GMT foi composto por seis estudiosos , indicados pelo CONAD, das áreas que atenderam, dentre outros, os seguintes aspectos: antropológico (representado pelo Dr. Edward John Baptista das Neves MacRae), farmacológico/bioquímico (Dr. Isac Germano Karniol), social (Drª Roberta Salazar Uchoa), psiquiátrico (Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho) e jurídico (Drª Ester Kosovski) e seis membros, convidados pelo CONAD, representantes dos grupos religiosos que fazem uso da Ayahuasca, eleitos em Seminário realizado em Rio Branco nos dias 9 e 10 de março de 2006.

Os detalhes e resultado final do trabalho do GMT encontra-se disponíveis em seu “Relatório Final” – Anexo E.

Em 25 de Janeiro de 2010 o CONAD publica no Diário oficial da União a RESOLUÇÃO Nº 1, replicando o conteúdo da do relatório final do GMT.

Assim ficou definitivamente regulamentado e autorizado o uso ritualístico/religioso da Ayahuasca no Brasil.

A decisão legal, de liberação do uso religioso da Ayahuasca no Brasil, abriu as portas para discussões mais amplas e permitiu a expansão das religiões tanto no Brasil como em outras regiões do mundo.

Atualmente a Ayahuasca tem seu uso ritualístico legalizado no Brasil, e em alguns países como Espanha, Holanda e nos EUA.

EMMANUEL G. C. LIMA