O Uso Ritual

As origens do uso da Ayahuasca na bacia Amazônica remontam à Pré-história. Não é possível afirmar quando tal prática teve origem, no entanto existem evidências arqueológicas, através de potes e desenhos encontrados, que levam a crer que o uso de plantas psicoativas ocorra desde a.C.

O objeto mais antigo relacionado ao uso da Ayahuasca é uma taça cerimonial feita de pedra, com ornamentações gravadas, encontrada na cultura Pastaza da Amazônia equatorial datando de 500 a.C. a 50 a.C. (museu Etnológico da Universidade Central em Quito, Equador). Esta taça cerimonial comprova que essa bebida psicoativa já era utilizada à pelo menos 2050 anos atrás.

O uso ritual da Ayahuasca, segundo alguns historiadores e antropólogos , remonta à época dos Incas, sendo de conhecimento o seu uso até os dias atuais. Para a maioria das culturas pré-colombianas o uso de plantas e de ervas com substâncias de efeito psíquico era sagrado. Através delas esses povos entravam em contato com o Divino, nesse contexto os enteógenos eram um fator de integração coletiva e de evolução individual.

Além da Ayahuasca, objeto do presente estudo, o uso ritual de outras plantas de poder  pode ainda ser observado no continente americano em vários cultos e religiões sincréticas, o Peyot  nos EUA, o San Pedro  e a folha de Coca  na Bolívia e no Peru, as inúmeras sementes mexicanas (Ololiuhqui/Tlitlietzen, Mescal Beans e as Colorines) são alguns dos exemplos mais conhecidos do uso religiosos e/ou iniciático das drogas hierobotânicas em comunidades ameríndias.

Existem relatos de que no século XVI, os espanhóis e portugueses observaram a utilização de bebidas na cultura indígena e recriminaram-na: “quando bêbados, perdem o sentido, porque a bebida é muito poderosa, por meio dela comunicam-se com o demônio, porque eles ficam sem julgamento, e apresentam várias alucinações que eles atribuem a um deus que vive dentro destas plantas” (GUERRA, 1971).

Em 1616, o uso dessas plantas foi condenado pela Santa Inquisição, porém seu uso ritual persistiu de forma escondida dos dominadores europeus. Observa-se essa continuidade no uso de plantas psicoativas nas descrições dos padres jesuítas sobre o uso de poções diabólicas pelos nativos do Peru no século XVII (LABATE, 2002).

Antes da colonização européia, postula-se que as plantas psicoativas eram amplamente usadas com fins religiosos, de cura e para o contato com forças sobrenaturais (LABATE, 2002).

Como se pôde verificar, plantas com propriedades psicoativas vêm sendo utilizadas por milênios com finalidades místicas e religiosas em diferentes culturas primitivas (LUNA, 1984). Há relatos do uso da Ayahuasca em praticamente toda a Amazônia, chegando à costa do Pacífico no Peru, Colômbia e Equador.

O psicólogo e dirigente de uma igreja do Santo Daime  no Rio de Janeiro, senhor Paulo Roberto, em entrevista à Revista Ano Zero descreve o uso ritual da Ayahuasca entre os povos pré-colombianos: “O Daime (Ayahuasca) era uma bebida secreta tomada somente pela família real inca, além de alguns sacerdotes e destacados guerreiros”.

Seu uso após a era pré-colombiana difundiu-se entre várias tribos indígenas das quais se tem razoável conhecimento antropológico. Ingerindo o chá, os índios absorviam o espírito da planta e, em transe, tinham experiências psíquicas vivenciando fenômenos paranormais tais como a telepatia, a regressão a vidas passadas, contatos com os espíritos dos seus antepassados mortos, presciência e visão à distância. Alguns pajés usavam a bebida para descobrir qual era a doença de seus pacientes e saber como tratá-la (LABATE, 2002).

As formas com que esta bebida e seu uso ritual teriam chegado dos Incas às populações indígenas da Amazônia ainda é um mistério para os pesquisadores do meio científico, uma vez que, os dados etnográficos e históricos existentes acerca deste fato são provenientes de lendas  e contos:
“Quando os espanhóis chegaram, havia dois príncipes do império, um se chamava Ataualpa e o outro, Huascar. Ataualpa se entregou aos espanhóis. Huascar resistiu culturalmente à invasão e partiu, com vários seguidores. Alguns do grupo de Huascar desceram para a Floresta Amazônica e disseminaram o uso desta bebida sagrada entre as tribos indígenas da região” (Paulo Roberto, entrevista revista ano zero: p. 5).

Outra forma de uso ritual da Ayahuasca, derivado do contato das populações não indígenas com os índios, é o do curandeirismo ou vegetalismo. O vegetalismo é encontrado em grande parte da América do sul e está relacionado diretamente com as tradições de cura na Alta Amazônia.

Desde o início do século XX, através dos contatos entre seringueiros e índios, a Ayahuasca passou a ser conhecida e utilizada também pelos migrantes nordestinos que colonizaram a Amazônia ocidental. Destes contatos surgiram diversos grupos que sincretizam o uso da bebida a um contexto religioso cristão-espírita, dos quais o Santo Daime e a Barquinha no estado do Acre, a União do Vegetal no estado de Rondônia, o Centro de Cultura Cósmica e a Fraternidade Rosa da Vida em Brasília, são os maiores expoentes.

EMMANUEL G. C. LIMA